Panorama da abusividade na resilição unilateral de contratos imobiliários
13 de fevereiro de 2020
Entre os anos de 2008 e 2014 o mercado imobiliário nacional experimentou um crescimento acentuado, sobretudo em razão do incremento dos financiamentos para construção e compra de imóveis[1]. Nesse interregno, o consumidor viu-se diante de inúmeras oportunidades de aquisição, aliadas a promessas de valorização por parte das empresas responsáveis pela alienação de incorporações e loteamentos.
A proeminência do mercado imobiliário, contudo, foi intensamente comprometida pela crise econômica brasileira. No ano de 2015 o mercado imobiliário se estagnou[2], e trouxe à tona a fragilidade vivenciada à época pelo setor[3]. Naturalmente, essa crise culminou na impossibilidade de muitos consumidores/ adquirentes arcarem com os custos do financiamento – principalmente diante do desequilíbrio entre o valor financiado e o valor venal do imóvel no epicentro da crise.
Entretanto, desfazer o negócio então pactuado não era tarefa simples, e o principal entrave era a abusividade das cláusulas resolutórias. Como resultado, aqueles que almejavam o desfazimento do negócio, tiveram de fazê-lo através do Poder Judiciário, sob pena de arcarem com prejuízos irrazoáveis.
As cláusulas fixadoras do montante a ser retido pela alienante em casos de resilição unilateral por culpa do comprador, bem como aquelas concernentes ao modo como se daria a devolução do quantum restituível, foram, não raro, rechaçadas pelos Tribunais pátrios[4]. Inobstante as inúmeras orientações firmadas pelos Tribunais acerca dos corretos termos das pactuações desta natureza, as empresas responsáveis por venda de loteamentos e incorporações jamais exitaram no estabelecimento de cláusulas abusivas.
Apenas a título exemplificativo, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1300418/SC, julgado em 13.11.2013 sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema n. 577), consagrou o entendimento no sentido de que, em caso de resolução de contrato de promessa de compra e venda, seja por culpa do comprador, seja por culpa do vendedor, a restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador deve se dar de imediato.
No mesmo sentido, prevê a Súmula n. 543-STJ que “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
À revelia de tal compreensão, os contratos elaborados pelas promitente-vendedoras permanecem a fixar prazos inaceitáveis para a restituição de tais parcelas: há contratos que preveem o prazo de 12 meses para a devolução.
A recalcitrância das incorporadoras e loteadoras, contudo, aparentemente não foi despropositada. Em 27.12.2018 entrou em vigor a nova lei do distrato, aplicável aos contratos firmados a partir desta data[5], que incorporou ao ordenamento jurídico a integralidade dos anseios danosos aos consumidores. Enquanto em momento anterior à nova legislação considerava-se, em diversos casos, nula a cláusula contratual que previa a retenção de 20% (vinte por cento) das parcelas já pagas pelo consumidor adquirente de lote não edificado, nos contratos firmados a partir do início da vigência da Lei n. 13.786/2018 situação semelhante será, a priori, impensável.
A nova legislação prevê, por exemplo, a validade de cláusula de retenção fixada em até 10% do valor atualizado do contrato (art. 32-A, II, Lei n. 6766/79), e que o pagamento da restituição ocorrerá em até 12 (doze) parcelas mensais, cujo termo inicial poderá ser de até 12 (doze) meses após formalizada a rescisão contratual (art. 32-A, §1º, II, Lei n. 6766/79).
Diante de tal cenário, ainda não se sabe qual será o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ao analisar a legalidade das cláusulas contratuais que tratam da rescisão de contratos firmados após 27.12.2018. É possível que em alguns aspectos prevaleçam as normas previstas na legislação consumeristas, em razão de sua eficácia supralegal[6]. Todavia, ante a incerteza, imprescindível que, no momento da aquisição, o promitente-comprador lance mão de todos os recursos para evitar surpresas futuras.
Em suma, o promitente-comprador que contratou antes de 27.12.2018, ainda pode se valer das orientações jurisprudenciais vigentes a fim de buscar uma resilição unilateral minimamente justa e proporcional. Doutro lado, aos promitente-compradores já alcançados pela nova lei recomenda-se, a fim de evitar futuro prejuízo, que busquem auxílio jurídico quando da contratação, pois a legislação vigente lhe é extremamente prejudicial.
Mauro L. M. Borges Neto
OAB-MS 24.713-B
[1] Disponível em: http://g1.globo.com/especial-publicitario/zap/imoveis/noticia/2016/04/o-auge-e-queda-do-mercado-imobiliario-em-uma-decada.html. Consulta realizada em 12.02.2020.[2] Disponível em: https://revista.zapimoveis.com.br/crise-brasileira-x-bolha-imobiliaria-americana-entenda-diferencas/. Consulta realizada em 12.02.2020.
[3] Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/a-crise-chegou-para-o-mercado-imobiliario-e-a-hora-de-comprar/. Consulta realizada em 12.02.2020.
[4] “(…) o termo inicial da correção monetária das parcelas pagas, a serem restituídas em virtude da distrato de promessa de compra e venda é a data de cada desembolso, e os juros de mora a partir da citação, conforme precedentes do STJ” (TJMS. Apelação n. 0805451-41.2016.8.12.0021, Três Lagoas, 5ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Sideni Soncini Pimentel, j: 17/10/2018, p: 18/10/2018).
“(…) O percentual de 10% (dez por cento) basta para a satisfação das perdas e danos suportados, bem como para ressarcir a promitente-vendedora pela rescisão havida em face da inadimplência do promitente-comprador, especialmente porque possível o arbitramento pelo julgador dentre os limites do caso concreto. (TJ-MS – APL: 08001384120168120008 MS, Relator: Des. João Maria Lós, Data de Julgamento: 30/01/2019, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/02/2019.).
“(…) Princípios da equidade e da boa-fé que regem as relações de consumo, bem como o do equilíbrio contratual. Aplicação dos artigos 51 e 53 do Código de Defesa do Consumidor. Retenção de 10% dos valores pagos adequados para cobrir as despesas de administração, publicidade e outras inerentes à contratação (…)”. (TJSP; AC 1012570-91.2016.8.26.0405; Ac. 12725291; Osasco; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Edson Luiz de Queiroz; Julg. 31/07/2019; DJESP 06/08/2019; Pág. 1927).
[5] “(…) Nova Lei do Distrato. Disposições da Lei nº 13.786/18 que alterou a Lei nº 4.591/64, em vigor desde 27/12/2018, apenas serão aplicadas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor. Incidência dos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica (artigo 6º e §1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Adoção do brocardo tempus regit actum (…)”. (TJSP; AC 1012570-91.2016.8.26.0405; Ac. 12725291; Osasco; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Edson Luiz de Queiroz; Julg. 31/07/2019; DJESP 06/08/2019; Pág. 1927).
[6] “Aqui não cabe invocar o princípio lex posterior generais non derrogar priori speciali, porque em matéria de consumo o CDC é lei especial, específica e exclusiva, a lei que recebeu da Constituição a incumbência de estabelecer uma disciplina única e uniforme para todas as relações de consumo, que deve prevalecer naquilo que inovou. As leis incompatíveis com o CDC, gerais ou especiais, não prevalecem, apenas coexistem naquilo que com ele estão em harmonia”. (grifei e sublinhei). Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/256668/e-abusiva-a-diferenciacao-de-precos-a-partir-da-forma-de-pagamento-escolhida-pelo-consumidor.