Princípio do Contraditório e vedação da decisão surpresa
15 de junho de 2020
Busca-se com o Código de Processo Civil, a igualdade em face das decisões judiciais, pois elas devem ser iguais para hipóteses iguais. Todos são iguais e devem ser tratados igualmente perante a lei.
Para que isso ocorra, na ordem jurídica, nada mais sagrado que o direito de defesa para que essa igualdade de tratamento seja alcançada, sendo seu exercício pleno condição até para a validade da condenação. Tradicionalmente, o princípio do contraditório considera-se formado por dois elementos: informação e possibilidade de reação.
O contraditório se refere ao direito que o interessado possui de tomar conhecimento das alegações da parte contrária e contra eles poder se contrapor, podendo, assim, influenciar no convencimento do julgador. A ampla defesa, por outro lado, nada mais é que uma garantia do cidadão de praticar atos defensivos em seu favor diretamente ou mediante atuação do seu procurador, podendo se valer de todos os meios e recursos juridicamente válidos, vedando, por conseguinte, o cerceamento do direito de defesa.
Assim dispõe o art. 5º, LV da Constituição Federal:
“Art. 5º. (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Em outras palavras, o contraditório há de ser efetivo e equilibrado, isto é, deve ser realmente informado ao interessado que o processo foi iniciado e que haja igualdade de tratamento das partes, de tal sorte que estas litiguem com paridade de armas. (Dinamarco, Candido Rangel, “Novas Tendências do Direito Processual” e a “As Garantias do Direito de Ação” RT, 1983).
À luz do Código de Processo Civil/2015, o princípio do contraditório encontrou desdobramentos, na medida em que, com o passar do tempo, assegurar o direito à informação relativa à prática de atos envolvendo o Estado no exercício da jurisdição e garantir formalmente o direito à defesa não era mais suficiente.
Nesse sentido, o art. 10 do CPC/2015 estabeleceu que o “juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Vale observar que o art. 10 é um desdobramento do caput art. 9º, também do CPC, que ordena ao Estado-juiz o seguinte: “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida“.
Trata-se, portanto, de proibição da chamada decisão surpresa, também conhecida como decisão de terceira via, contra julgado que rompe com o modelo de processo cooperativo instituído pelo Código de 2015 para trazer questão aventada pelo juízo e não ventilada nem pelo autor nem pelo réu.
Essa proibição assegura às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, ainda que passíveis de conhecimento de ofício pelo magistrado, em obediência ao princípio do contraditório.
A negativa de efetividade ao art. 10 do CPC implica erro in procedendo e nulidade do julgado, na medida em que fere a característica fundamental do novo modelo de processualística pautado na colaboração entre as partes e no diálogo com o julgador. (Resp 1.676.027 – Rel. Min Herman Benjamin).
Com efeito, nas palavras do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, o novo sistema processual impõe aos julgadores e as partes um procedimento permanentemente interacional, dialético e dialógico, em que a colaboração dos sujeitos processuais na formação da decisão jurisdicional é a pedra de toque do novo CPC.
Assim, muito embora o presente artigo demande maiores digressões e inúmeras argumentações quanto as inovações e desdobramentos trazidos pelo Código de Processo Civil, conclui-se que, a proibição de decisão surpresa, com obediência no principio do contraditório, além de assegurar às partes o direito de serem ouvidas de maneira antecipada sobre todas as questões relevantes do processo, traz a elas o direito à legítima confiança de que o resultado do processo será alcançado mediante fundamento previamente conhecido e debatido por elas.
Por fim, não podemos ignorar que a aplicação desse novo paradigma decisório está trazendo desconforto e pujante resistência pelos operadores do direito, o que como se sabe, acarretará ainda mais a responsabilidade dos tribunais em assegurar-lhe a democratização do processo e efetividade no aperfeiçoamento da jurisdição, utilizando os instrumentos processuais que já tem à sua disposição para combater e prevenir condutas abusivas, mas sem menosprezar as garantias do contraditório e ampla defesa.
Lucas Nasser de Mello
OAB/SP 412.652
OAB/MS 21.500