Autonomia Universitária x Saúde Pública?
13 de maio de 2020
“Autorizar a participação de todos os profissionais médicos, que já tenham condição de atuar na área é uma questão de responsabilidade social”.
Direto ao ponto principal da discussão, na minha opinião, considerando a situação excepcional atualmente vivenciada – pandemia do novo coronavírus, autorizar a participação de todos os profissionais médicos, que já tenham condição de atuar na área é uma questão de responsabilidade social e, por isso, a autonomia universitária deve ser relativizada.
Se, por um lado, há previsão constitucional acerca da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das instituições de ensino superior, prevista no artigo 207, da Constituição Federal, o que inclui o poder de decidir sobre a matriz curricular de seus cursos, por outro, deve ser reconhecida a excepcionalidade da situação atual de emergência em saúde pública vivenciada.
Isso porque, há um notório deficit de recursos humanos na área de saúde no Brasil. Nesse sentido, o País não pode deixar de contar, neste momento de excepcionalidade, com todos aqueles que já se encontram aptos ao exercício profissional, uma vez que cumpridas todas as exigências acadêmicas previstas na legislação.
Tais regras, requisitos e exigências foram publicadas em 01 de abril de 2020, quando editada a Medida Provisória 934/20, que estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.
O artigo 2º, parágrafo único, inciso I, da Medida Provisória nº 934/20, por exemplo, prevê que a instituição de educação superior poderá abreviar a duração, dentre outros, do Curso de Medicina, desde que o aluno, observadas as regras a serem editadas pelo respectivo sistema de ensino, cumpra, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato.
Não por outra razão, o Ministério da Educação, em 09 de abril de 2020, editou a Portaria nº 383/20, autorizando a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, como ação de combate à pandemia do novo coronavírus – Covid-19.
Ora, considerando que o MEC, órgão máximo no que diz respeito à educação nacional, considera como carga horária ideal para o curso de Medicina o total de 7.200 (sete mil e duzentas horas), e flexibiliza o cumprimento mínimo de 75% (setenta e cinco por cento) da carga horária do internato, por qual razão negar a antecipação de colação de grau?
Um dos motivos apresentados por algumas Universidades é a autonomia universitária. Com o devido respeito, muito embora essa autonomia seja uma garantia constitucional, fato é que ela não é absoluta. Não se pode admitir que uma decisão administrativa tenha total independência e soberania sobre um direito fundamental (Direto à Saúde – Direito à vida), garantido na Constituição Federal, que por sinal, inequivocamente tem especial relevância nos dias de hoje.
Por outro lado, no País, mais de 80 (oitenta) Universidades já anteciparam a colação de grau dos estudantes de medicina, sem qualquer óbice ou empecilho.
No Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, a Universidade Federal, em atenção a Medida Provisória 934/2020, já autorizou, flexibilizou e auxílios os acadêmicos no processo mais ágil para permitir a colação de grau antecipada, em caráter excepcional. Mais do que isso, a UFMS promoveu a colação de grau virtualmente, on-line, inovando as medidas adotadas, cumprindo seu papel social. (https://www.campograndenews.com.br/educacao-e-tecnologia/ufms-realiza-primeira-colacao-de-grau-via-internet).
Por fim, vale destacar que o Poder Judiciário já vem proferindo decisões favoráveis ao tema, como por exemplo, a recentíssima decisão monocrática (05.05.2020), proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 5004340-06.2020.4.02.0000/RJ, pelo Des. Federal Aluísio Gonçalves de Castro Mendes – 5ª Turma do Egrégio Tribunal Federal da 2ª Região, que determinou a antecipação da colação de grau, de forma imediata, com a consequente expedição de certidão de conclusão do Curso de Medicina. Confira-se o trecho da decisão:
“ Ponderando-se os valores constitucionais em colisão – autonomia universitária x saúde pública –, à luz do princípio constitucional da razoabilidade, deve ser prestigiada uma solução que priorize a saúde e o interesse públicos, garantindo-se atendimento adequado à sociedade e o reforço das equipes médicas, com força de trabalho adicional, possibilitando, inclusive, o suprimento de eventuais lacunas criadas por profissionais de saúde inseridos no grupo de risco ou que estejam se recuperando para voltar a atuar junto às unidades de saúde no enfrentamento à pandemia”.
Seja como for, estamos diante da pior crise sanitária e econômica do século. O Direito à Saúde deve prevalecer. Negar a antecipação de colação de grau antecipada, mesmo preenchidos os requisitos mínimos exigidos pelo Ministério da Educação, é decisão soberana que ofende frontalmente os direitos fundamentais e interesses da população.
Os acadêmicos que estão prontos, que cumprem os requisitos mínimos exigidos, devem ser colocados à linha de frente para combater a pandemia e enfrentar os desafios da Medicina. Aos acadêmicos deve ser permitido prestar o seu juramento e exercer de imediato dignamente sua profissão, vez que aptos a promover o bem público, consubstanciado na saúde coletiva.
Lucas Nasser de Mello
OAB/SP 412.652
OAB/MS 21.500