Idosos: Alvos fácies de empréstimos consignados irregulares.
26 de fevereiro de 2020
Segundo o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), os Bancos estão ultimamente se aproveitando da “hipervulnabilidade” de aposentados e pensionistas. O assédio das instituições financeiras via internet, telefone, ou até mesmo nas ruas a estes cidadãos alcançou seu apogeu. O objetivo das empresas é forçar a adesão aos consignados – empréstimos em que as prestações são descontadas diretamente do benefício de quem faz a contratação.
Em meio de 2019, o INSS enviou um ofício ao DPDC informando o número de reclamações recebidas pelo instituto relacionadas às operações de empréstimo consignado, cartão consignado e margem considerável das instituições financeiras. Em 2017, foram 63.404 reclamações. Em 2018, foram 75.529, e nos dois primeiros meses de 2019, foram registradas 10.867 manifestações de aposentados e pensionistas relacionadas a este assunto1.
Os especialistas alertam para as palavras ambíguas, tais como “crédito liberado”, que muitas vezes são interprestadas (pelos idosos) como um valor a que têm direito, não um empréstimo com juros. Assim, acabam aceitando, sem perceber, empréstimos desnecessários que reduzem os valores do benefício por mês.
Outra prática usualmente utilizada pelas instituições financeiras são os depósitos em conta corrente. Isto é, realizam-se depósitos nas contas bancárias das vítimas (sem que haja formal solicitação, autorização, celebração de contrato, ou até mesmo manifestação de vontade) com o intuito de que esse dinheiro seja usufruído, e, assim, seja consumado o negócio jurídico.
Inobstante, é importante reconhecer que, em via de consumo, os idosos em assuntos financeiros não se resumem à racionalização e à vitimização perante a estrutura financeira, sendo influenciados também por aspectos sociais, históricos e culturais2.
O Judiciário tem se mostrado sensível a esses casos e expurgado os contratos realizados ilegalmente, sem o consenso das vítimas, de modo que, ao mesmo passo, vem promovendo condenações severas às instituições financeiras por causarem profundos danos morais e materiais aos idosos e demais cidadãos vulneráveis.
Há recentes julgados que demostram tal sensibilidade assistida nos tribunais, senão vejamos:
“(…) As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (…)” (REsp 1.199.782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe de 12/09/2011). (grifei)
“(…) o desconto indevido de valores pela instituição financeira sobre os benefícios previdenciários do aposentado e decorrente de contrato celebrado mediante fraude causa dano ao patrimônio moral. Presentes os elementos da responsabilidade civil emerge o dever de indenizar (…)”. (TJMG, Ap. Cív. nº 1.0145.07.419150-6/001; Rel. Des. EDUARDO MARINÉ DA CUNHA, d.j. 04/12/2008, d.p. 28/01/2009). (grifei)
“(…) Assim, concedo a medida antecipatória de tutela, para o fim de determinar à parte requerida que suspenda imediatamente os descontos originados do contrato descrito na inicial e que estão sendo feitos no benefício previdenciário do autor, assim como que se abstenha de realizar novos descontos, até o julgamento final da presente ação. Pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada novo desconto realizado (…)”. (processo 0800777-41.2020.8.12.0001). (grifei)
A situação é tão complexa que, em setembro de 2019, foi lançado o Sistema de Autorregulação de Operações de Empréstimo Pessoal e Cartão de Crédito Consignado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pela Associação Brasileira de Bancos (ABBC). As regras, que já estão em vigor, preveem o bloqueio de ligações para oferta de consignado e torna mais clara a possibilidade de cancelamento do empréstimo, em sete dias, caso o contrato seja firmado a distância, como prevê o Código de Defesa do Consumidor.
Mesmo frente a este fator, o numero de fraudes e crimes cometidos no uso do contrato de empréstimo consignado são enormes, sendo um dos principais problemas encontrados entre a classe idosa. O beneficiário se tornou um alvo de um sistema que busca o enriquecimento ilícito através de contratos fraudulentos que muitas vezes a vítima sequer sabe da existência.
Diante disso, é necessário muito cuidado e constante vigilância sobre os valores mensais percebidos a título de benefício previdenciário. Por se tratar de relações de consumo, temos por certo que sempre deve haver uma reparação dos danos causados às pessoas idosas.
Portanto, se porventura o idoso ou a pessoa é assistida pelo benefício perceber qualquer alteração em seu extrato do INSS, deve procurar um advogado especializado, de sua confiança, que lhe irá orientar e propor a ação judicial cabível contra a intuição financeira.
Campo Grande, MS, 18 de fevereiro de 2020.
Tiago G. F. Nasser de Mello
OAB/MS 8.023E
1 Disponível em: < https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/bancos-serao-investigados-por-pratica-abusiva-na-concessao-de-emprestimo-consignado-idosos-23818801>. Consulta realizada em 13.01.2020.
2 Dalmoro, M., & Vitorazzi, K. (2016). Trajetórias de Consumo: O Sujeito-Consumidor de Serviços Bancários na Terceira Idade. RAC, 20(3), pp. 328-346. doi:10.1590/1982-7849rac2016140059